domingo, 25 de maio de 2008

Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain (II)

"Les jours, les mois, puis les années passent. Le monde extérieur paraît si mort qu'Amélie préfère rêver sa vie en attendant d'avoir l'âge de partir.
(...)
Le temps n'a rien changé. Amélie continue à se réfugier dans la solitude. Elle prend plaisir à se poser des questions idiotes sur le monde ou sur cette ville qui s'étend là sous ses yeux."
Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain (I)
"Ma petite Amélie, vous n'avez pas des os en verre. Vous pouvez vous cogner à la vraie vie. Si vous laissez passer cette chance, alors avec le temps, c'est votre coeur qui va devenir aussi sec et cassant que mon squelette. Alors, allez-y, nom d'un chien!"

sábado, 24 de maio de 2008

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Carta de uma Primavera adiada.

Há alturas em que não pode ser mais. O pó do chão começa a sufocar, e à medida que vais desaparecendo as pessoas pisam-te o corpo porque se esquecem que ainda dói. Tens de te levantar, ainda que as pernas tremam perante tal possibilidade. Que importa que te achem má, e falsa? Que importa, se eles não sabem e não podem dia algum perceber esse mar profundo que queima de frio e calor simultâneos? Que importa, se daqui a um punhado de dias tens uma vida nova para estrear, para te entorpecer a mente num turbilhão de cores novas? Eles não sabem, nem podem dia algum perceber.
Toma. Está aqui um carrinho de linha transparente e uma agulha velha. Se a roupa está rasgada é sentares-te no chão e cozê-la. Não importam as picadas nos dedos…! Olha as tuas pernas em carne viva. Ainda estás aqui, mas daqui a pouco vais embora para um lugar onde esses fantasmas não podem atormentar-te e dizer-te que és má, e falsa. Porque afinal eles não percebem, como nunca perceberam.
Toma. Algodão em água para limpares o sangue na pele e as feridas. Temos força para aguentar o que nunca pensámos poder aguentar, e se ainda sentes quando te pisam as mãos e te cospem o cabelo vira a cara para o céu. É Primavera! O Inverno desfaz-se no teu corpo e apontam-te dedos sujos por só veres uma ponta de Primavera em Maio! E que importa se é Maio, e do outro lado do mundo os campos florescem espontaneamente?
Consegues fazer bem. Prometo-te que consegues. Esquece-os. Esquece-os por uns minutos e fecha os olhos, limpa os pensamentos até não existirem. Fica assim, noite dentro. Não há vozes, nem um único som no horizonte. Descansa. Descansa em paz, porque já nada importa. Quando abrires os olhos, sem dares conta, a vida é outra, ainda que seja a mesma.
“E se estiver a fugir?” Meu amor, fugir foi o que fizeste toda a vida, e o mundo continua a girar. E se fores fugir novamente? E se tropeçares, por engano, em ti? E se te apanhares no comboio de partida e te conheceres no destino?

Hoje, ainda que a tristeza seja a de todos os dias, não te dou palavras doentes. Amo-te, Carolina. E não há nada em mim que não queira ver, mesmo que seja num truque bonito de ilusionismo, esperança nos teus olhos líquidos.
Beatriz.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Sim, minha Carolina. É possível amar tanto, como bem sabes. E como também sabes dói falar, por isso aprendo contigo os jogos de faz de conta. Faz de conta que está tudo bem. Faz de conta que não dói quando dormes com outros. Faz de conta que não dói se as pessoas da tua vida são outras que não eu. Faz de conta que querer ver-te feliz é tão fácil e natural como acordar e respirar. Porque querer ver-te feliz é tão complexo e tão forçado que não te quero explicar, por poderes levar a mal. Acreditas, minha Carolina, que apesar de não seres minha, a decisão que tomo é lutar pela tua felicidade, ainda que para tal eu deixe de existir? Quem me mandou ser a parte de dentro de ti? Quem me disse que tentasse salvar-te? Ninguém. Acho que chamas as pessoas a ti sem dares conta, e depois não aguentas a pressão do futuro e foges. Minha Carolina, meu amor. Encontra-te. Sabes quando te vais encontrar? Quando deixares de te procurar. É aí que estás. Numa fronteira sem passaporte. Mas se sabes o teu nome, Carolina, descansa em paz, o resto são os monstros que crias porque o abstracto assusta ainda mais. Sim, minha Carolina, amar é possível. E é possível amar tanto, ainda que o amor possam ser ilusões assustadas na esquina de uma rua estranha. Deixa-te deambular, que importa não seres ninguém? Que importa se há segundos em que deixas de existir, se o Universo gira lá em cima? Carolina, minha Carolina!

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Porque, Beatriz.

Porque ainda que seja simples, Beatriz, é difícil, e dói como ter o mar aos pés e querer mergulhar nele, até quase não haver ar… Oh, Beatriz. Porque fazes essas perguntas, se sabes que não te posso responder? Se és só um canto da minha tristeza porque me bates à porta do quarto todas as manhãs, e danças nos meus cabelos que os pesadelos encaracolaram sem amor? Porque queres que esse anel vá se esse anel és tu a passear em todas as partes de mim, e a partir as pessoas a quem tento chegar, e deixar cair lágrimas pelas pessoas que chegaram e tu mandaste embora para que fosse só tua? Oh Beatriz, porque ficas se para sempre é tempo demais e eu morri nas coisas que não foram para sempre em promessas perdidas, mas juradas até aos ossos de uma alma que não era de ninguém? Oh, Beatriz. Porque me perguntas se tenho coragem para ser feliz, porque me pedes para ser feliz, se sem mim desvaneces e partes no vento para um cemitério infinito? É possível amar tanto?

Carolina.

Porquê, Carolina.

Nascem-lhe caracóis escondidos sobre o cabelo liso. Cresceu, já passa os ombros... O cabelo. Carolina. Tem agora um anel no dedo central da mão esquerda, um anel de brilhantes e não há quem lho arranque, até porque é só um símbolo. Carolina casou com a sua própria solidão. Não sabe o dia, porque se afoga em tantas datas tristes a celebrar, não quer mais uma, a riscar o calendário monótono de um-dia-sempre-após-o-outro. Um anel, tão bonito… Onde estão os dias em que eras bonita, Carolina? Porque dormes há tantos meses nesses braços como se pudessem ser teus, um dia? Oh, Carolina. Um anel. Já marcado no dedo. De onde vem essa magia de transformar em belo os símbolos mais tristes? Estou aqui, vês? Não parti. Não tenhas medo, por favor. E parte, parte, que ficar pode ser mais difícil… Vai embora, se tiveres coragem. Não para partir, para partir sempre tiveste coragem, sempre fugiste. Para ser feliz. Tens c-o-r-a-g-e-m para ser f-e-l-i-z? Como, se essa solidão eterna no dedo central da mão esquerda se espalhou a todo o corpo e criou em ti raízes que nunca dão frutos? Oh, Carolina. Porquê?

A tua,
Beatriz.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Escrever-te vai destruindo, vai esfarrapando por dentro. Ainda que as pessoas criem palavras, as palavras mudam as pessoas, e dói ter de saber lidar com a pessoa que és nos versos repetidos de poemas repetidos, e com a pessoa que és quando chego a ti, finalmente. Acho que chegou a altura de te deixar ir, não sei se vai doer. Acho que chegou a altura, mas não sei como se faz. Dizia um poeta que os amigos são difíceis, não acabam de morrer. Tenho o hábito de acreditar em poetas, não sei porquê. Acho que me leram poemas quando eu ainda não percebia palavras e agora, alguns anos depois, tudo o que tenho são palavras, e a certeza de que temos de ir, e o não saber se o vamos fazer, ainda que devêssemos. Não tenho mais mãos para imaginar o que não é, ou para ser o que não há. Cansei-me de salvar afogados, e naufragar em seguida. Acho que descobri como é que as pessoas se vão tornando frias. E dói. Chegou o tempo de partir desse lugar quente que construímos e que acabou por se destruir. As paredes caíram, não há tecto que sustente o que quer que seja. Mas é tempo de partir, para que as memórias desse lugar não caiam também. Como se faz? É possível partir sem dizer adeus? Como vai ser? Será que conseguimos viver sem a dor da nossa existência?

terça-feira, 8 de abril de 2008

Carta de uma verdade inadiável:
Ainda que nunca te perdoe,
Hoje perdoei-te.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Larvas

Escreveram-te um poema de desamor, Carolina. Primeira vez. Quantas noites adormeceste à espera de um poema, à espera de estar do lado de lá? E agora o desalento. Desamor. Culpa. Percebes agora o quanto dói? Percebes finalmente que não podes usar palavras de lâminas como se fossem seda; como se fossem só tuas?
P a l a v r a s é t u d o o q u e t e n h o .

Alugo palavras a uma tristeza antiga,
Porque os dias são infinitos.
Alugo palavras gastas
Para escrever durante tardes frias
A mesma ideia,
De todas as maneiras:
Repetida, verso a verso,
Repetida, na violação de silêncios milenares.
Alugo palavras, porque nada me pertence
E sorriu do centro da minha
Tristeza antiga,
Desta vez, as palavras ficam no chão.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Não fiques sentada nessa noite escura, por favor. Fazer rascunhos das datas em que tudo vai acabar não é nada, porque tudo vai acabar. O amor, se por acaso não acabou ainda, vai acabar. As pessoas que te fizeram mal vão acabar, as boas também. As palavras que ainda tens vão acabar. Tudo vai acabar. Por favor, parte dessa noite escura. Ainda que tudo acabe, acredita que eu estou cá para sempre. Porque eu sou nada, sou o lado de dentro de qualquer coisa triste por desvendar dentro de ti. E por isto vou ficar para sempre. Vais conseguir, um dia, acreditar no para sempre? Que posso fazer por essa ferida que toma conta de ti como se fosse para sempre?

sexta-feira, 21 de março de 2008

Não quero ir viver para Lisboa, acho que nunca vi tanta gente triste como vejo em Lisboa… Por favor. Não quero ir para Coimbra. Por favor. Quero ir viver para sítio nenhum, um sítio onde não importe não saber o que se quer ser a seguir.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Um álbum de lágrimas

Vai ser o dia mais triste. E já falta tão pouco. Vai estar sozinha em casa, e vai ser de noite, e vai estar a casa mergulhada em silêncio, e ela mergulhada em medos infinitos.
Vai sentar-se no chão do quarto, assustada, acender uma vela e a chama ser a mais fria. Vai estar a chorar, porque se parte com demasiada facilidade, e dificilmente desaparece. Vai cantar os parabéns baixinho, muito baixinho. Sozinha. Ninguém faz anos. Um sussurro: Parabéns nesta data querida. Muitos anos de vida? Será que é isso que vai desejar? É só uma data, um segredo. E como voltou a ficar sozinha, é só mais uma noite demasiado pura que ela engoliu de uma vez, e que nunca vai saber digerir.
Um álbum de lágrimas no colo. Estas, são só mais umas. E são únicas, porque o dia é gelo e é, ainda assim, celebrado.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

um Adamastor em ferida

Carolina,
Diz-me como se faz. Como é que consegues dormir comigo? É só porque tens medo de ficar ainda mais sozinha? Como é que fazes para que o amor não importe? Conta-me como se fosse uma história de embalar, porque eu não consigo suportar nem mais um dia esta angústia de não perceber, como nunca percebi, o que se passa nesse labirinto, vazio de mistérios e que mesmo assim me faz tremer como se fosse um Adamastor em ferida. Diz-me. Para que não importe mais. Como é que dormimos na mesma cama, e tocamos os nossos corpos, se entre quem somos e o que sentimos há um fosso inabalável.


A tua,
Tristeza.

Inteirinha

Eu costumava pensar que quando tivesse dezoito anos a vida seria fantástica. Costumava pensar que ia ter a vida inteirinha, e pronta a estilhaçar-se, nas mãos. Mas não tenho. Continua presa numa redoma de veludo, perdida numa cidade de preconceitos velhos, de pessoas velhas. E nunca mais é a hora. Nunca mais é a hora de partir.
Merda das datas.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Não há

Apetece chorar
Mas não há razão
Apetece dormir
Mas ainda é cedo
Apetece cair
Mas não há chão

Sopa

É uma criança com um prato sujo à frente. Esperneia. Faz birras. Mas está sozinha nessa mesa de jantar, e não há quem vá importar-se. O amor é uma sopa azeda. Ela atira o prato à parede para dizer que não, que não quer mais, que lhe faz mal, que não pode ser nem mais um dia. E fica estendida no chão a pensar que é melhor assim, mas quando anoitece, sem que ninguém veja ou saiba, ela vai até à parede suja, e lambe a sopa amarga e fria, e suja-se com ela e dorme com ela. Todas as vezes são nunca e sempre a última. O amor é uma sopa azeda e o sangue corre inteiro em direcção ao chão.

Azul

Se nesse momento pensasse, Carolina diria: não há calma maior aqui que ficar sentada na sala escura a ver-o-mar passar dentro da televisão. É tudo escuro, e o azul sai do ecrã pequeno, e não há mais nada. Não há dor, nem falhas, nem telemóveis tristes a tocar ausências. Porque é tudo escuro, porque ela está no escuro. E só importa esse azul infinito e denso que a envolve e a leva para longe, nas asas de um peixe qualquer, escondido na areia.

Duas pessoas apenas

Ela nunca tinha tido medo de estar sozinha em casa, via na solidão uma chávena de chá quente entre as mãos. Uma chávena que podia queimar, mas que em vez disso, aquecia. Agora tem medo. Ouve barulhos. Vê sombras. Ouve barulhos. Vê sombras. Sei tão bem porque começou a ter medo, porque começou a não gostar de ficar sozinha. Ela não quer pensar nisso, diz que não importa, mesmo que seja verdade. Enrola-se na cama cedo, para não pensar, e tenta adormecer sem um único sonho. Brinca: "tenho de ser a parte de dentro de um cigarro, envolvido no cobertor quente. E depois tu vens." Finge esquecer-se de que sozinha, não tem força para manter esse laço impossível. E luta, luta, luta. Está a aguentar-se, apesar das manchas de betadine. Mas até quando? É que se esse laço, esse desejo impossível que ela morde nas velas dos anos e murmura nos nós de uma pulseira de cores já a matou. E vai voltar a matá-la. Mas não o manter também a mata. E a magia desse laço está em que era só puxar um fio para ele se desfazer, mas para que ele não se desfaça, Carolina tem de ter a força para mudar o mundo, e ainda assim escolher tentar mudar duas pessoas apenas.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

18

Ela fingiu que não se importou. Foi só uma carta no correio. Foram só as palavras agudas. Foi só um número cortante. E um sentar demasiado cansado na cama por fazer há noites sem fim. Foram só os amigos que não perceberam. Foi só uma solidão grave na casa vazia. Foi só o silêncio a fazer barulho. E foi só o querer fugir, o querer ir embora e não saber quem levar. O querer ficar nas relações que não podem ser mais, mas são. O querer as pessoas que não estão, mas ela imagina estarem em todos os pormenores. O saber que tudo acaba, que nada é para sempre, muito menos aquilo que mais ninguém quer que seja para sempre. E mesmo assim sentar-se na borda da cama a sonhar, para que não importe a carta, e as palavras e o número, e a notícia de que por muito que aprendesse a partir não poderia ir embora.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Das ilusões mais bonitas

Faz anos daqui a pouco mais de duas horas. Dezoito anos. Quer parecer bem, animada, com a ideia. O carinho dos que a rodeiam traz calor ao frio de Janeiro. Chega cansada a casa, atira o violino quase ao chão, e morre durante alguns minutos na cama. Obriga-se a levantar, pensa no mundo, tem tudo que ficar bem, porque amanhã a vida começa, amanhã começam os melhores anos da vida dela, como todos lhe fazem crer. Acho que tem medo que nada mude. Tem medo de continuar a ter medo. Tem medo de chorar. E da responsabilidade de estar tudo a começar. Está quase. Que diferença fará? Não vai fazer diferença nenhuma. Mas é já daqui a duas horas e dois minutos. E nunca mais passam. Mas passou tudo tão depressa. Será que é desta que vai ser feliz para sempre? Não quero que o seja, mas não posso dizer em voz alta, porque hoje é o dia das ilusões mais bonitas e não quero que chore.

domingo, 27 de janeiro de 2008

"O mito é o nada que é tudo."

Hoje voltou feliz a casa. Volta sempre sozinha, mas desta vez voltou feliz. Dançou um bocadinho pelo quarto e foi dormir. Nunca lhe disse, mas tenho inveja dela: tanta. Ela não tem inveja dela. É só mistério: os olhos, o corpo, as palavras. Cria este mistério para calar o grito mudo de que não é nada, nem ninguém, e que o dia em que tudo isto vai mudar, não vai chegar. Nunca. As pessoas que tem, ainda, são as que tentam descobrir-lhe o mistério. O cemitério que tem à sua volta é das pessoas que partiram, porque finalmente descobriram que atrás desse mistério, não há nada. É por isso que toda a gente acaba por partir. Porque só o mistério, não chega. Eu fico porque sei a tristeza profunda que ela é, e porque não me importo que ela não seja nada, não me importo que os seus sonhos sejam falhas profundas, e não me importo de amar o nada, porque nesse nada, vejo (a possibilidade de) tudo.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Para Sempre

Toda a inocência do mundo num lápis preto do tamanho de um dedo. Minutos infinitos em frente do espelho do quarto. Primeiro a cara rosada transforma-se numa tela em branco, uniforme. Depois os olhos pretos, tão pretos. Duas esferas baças, o mundo. A maquilhagem preta, carregada. São quase dois abismos de segredos. O cabelo avermelhado sobre os ombros, a roupa escura e estranha. Como é que em minutos alguém se transforma num poço de mistérios. Parece a noite. A mala fechada cheia de armas. Tudo tão escuro. Fecha a porta de casa e só volta muito tarde, em pés de lã. E volta sempre muito mais velha, e com mais anos de tristeza nas mãos, para acordar menina no dia seguinte, e ninguém saber o que se passou para sempre.
Carta dos cantos sem luz.
Verão 2007.

Porque é que te foste apaixonar? Sabes, escrevias bem, quando não estavas assim. E deixavas-me fazer-te companhia ao entardecer. Bebíamos chá na varanda, e escolhíamos que dores pendurar nas paredes nuas de frio. Porque é que te foste apaixonar? O mundo ficou mais bonito? As noites de solidão passaram a fazer sentido? Que fizeste comigo? Continuo num canto do teu quarto, e espero que me deites outra vez na tua cama, e adormeças a ver-me chorar, e me acaricies as pernas brancas sem pensares se será traição a alguém. Onde andas? Não sabia que conseguias sorrir. Tu sabias? Achas-te tonta quando te olhas ao espelho? Não sabia que sabias sorrir… Mas estou aqui. Quando te destapas durante a noite puxo os cobertores de nós até cima e protejo-te de um espirro de Verão que ninguém imagina, porque estás feliz. És feliz? Há conforto na dor, eu sei, e tu sabes. Naquelas noites que acabaram, havia frio. Mas sabes, quando o frio é muito parece transformar-se no calor. O calor de se estar habituado ao frio, e não esperar nada mais. Vais ser feliz para sempre? Vais estar apaixonada para sempre? Estou aqui. Do lado de dentro da tua tristeza que acabou. É Verão. Os dias duram mais, adormeces sem pensar em mim, e há pessoas estranhas no quarto que foi nosso durante noites de amor sem fim. Porque não olhas para mim? Porque é que te foste apaixonar? Há quem combine viver junto numa universidade distante. Nós prometemos adormecer no nosso colo. Qual é a força dessa promessa hoje? Porque danças pelo quarto fora com esses vestidos demasiado bonitos para ti? Porque te maquilhas? Onde passas as noites em que não dormes em casa, na nossa casa? Quero tomar conta de ti, porque decidiste fugir de mim, de nós…? Quero os teus poemas que me fizeram chorar, quero apanhar as lágrimas por não haver sentido, quero ver-te no conforto de um cigarro secreto, e não haver mais ninguém que te dê a mão. Quero ser a única a saber o lado de dentro das tuas cicatrizes. Porque não me deixas ver-te nua? Quero o teu corpo, porque eu sou a tristeza do negro do mar, à noite, e tu és um pescador perdido no areal desfeito pelas ondas, que sem saber porquê existe. Porque não me pões fora de ti? Porque é que te foste apaixonar? Porque é que não olhas para mim quando te digo que o teu Verão vai acabar e tu vais morrer no desgosto de um Outono tardio que te desfaz os sonhos? Acredita em mim. Quando o teu amor de um sentido apenas morrer afogado nas tuas lágrimas, quando tu perceberes que esse amor infinito vai ter fim porque só existiu dentro de ti, vais ser triste para sempre, novamente? Vais embalar-me, outra vez? É Inverno e está frio como nunca esteve. Dormes sozinha, e estou a ver-te. Será que me dizes que não se for para a tua cama enquanto dormes? Porquê? Porquê, se tudo acabou e é Inverno? É triste ser triste sem conforto. Quero ser tua companheira, ainda que à distância, num lugar escuro da memória. É tarde, é muito tarde, o céu ameaça cair. Tens um sorriso leve na cara que me magoa, dormes. Posso ir para aí? Posso amar-te? Deixas-me dormir contigo? Não acordas. Com que estarás a sonhar? Ponho um pé frio na cama. Desculpa não ter os pés quentes, como esse Verão teve. Desculpa não te aquecer. Mas como já te disse, só quero fazer-te companhia, mostrar-te que não tens frio sozinha. Abraço-te entre os lençóis. Durmo finalmente contigo. Não quero que acordes, não quero que acordemos. Que acontece se ficarmos assim para sempre? Porque tens medo do para sempre? Um beijo, quase um acidente. És bonita quando não tentas ser bonita. Uma mão na face, os pés entrelaçados na nossa tristeza calada.Porque é que te foste apaixonar?

A tua,
Beatriz.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Ela tem medo de deixar de escrever.