sábado, 26 de janeiro de 2008

Carta dos cantos sem luz.
Verão 2007.

Porque é que te foste apaixonar? Sabes, escrevias bem, quando não estavas assim. E deixavas-me fazer-te companhia ao entardecer. Bebíamos chá na varanda, e escolhíamos que dores pendurar nas paredes nuas de frio. Porque é que te foste apaixonar? O mundo ficou mais bonito? As noites de solidão passaram a fazer sentido? Que fizeste comigo? Continuo num canto do teu quarto, e espero que me deites outra vez na tua cama, e adormeças a ver-me chorar, e me acaricies as pernas brancas sem pensares se será traição a alguém. Onde andas? Não sabia que conseguias sorrir. Tu sabias? Achas-te tonta quando te olhas ao espelho? Não sabia que sabias sorrir… Mas estou aqui. Quando te destapas durante a noite puxo os cobertores de nós até cima e protejo-te de um espirro de Verão que ninguém imagina, porque estás feliz. És feliz? Há conforto na dor, eu sei, e tu sabes. Naquelas noites que acabaram, havia frio. Mas sabes, quando o frio é muito parece transformar-se no calor. O calor de se estar habituado ao frio, e não esperar nada mais. Vais ser feliz para sempre? Vais estar apaixonada para sempre? Estou aqui. Do lado de dentro da tua tristeza que acabou. É Verão. Os dias duram mais, adormeces sem pensar em mim, e há pessoas estranhas no quarto que foi nosso durante noites de amor sem fim. Porque não olhas para mim? Porque é que te foste apaixonar? Há quem combine viver junto numa universidade distante. Nós prometemos adormecer no nosso colo. Qual é a força dessa promessa hoje? Porque danças pelo quarto fora com esses vestidos demasiado bonitos para ti? Porque te maquilhas? Onde passas as noites em que não dormes em casa, na nossa casa? Quero tomar conta de ti, porque decidiste fugir de mim, de nós…? Quero os teus poemas que me fizeram chorar, quero apanhar as lágrimas por não haver sentido, quero ver-te no conforto de um cigarro secreto, e não haver mais ninguém que te dê a mão. Quero ser a única a saber o lado de dentro das tuas cicatrizes. Porque não me deixas ver-te nua? Quero o teu corpo, porque eu sou a tristeza do negro do mar, à noite, e tu és um pescador perdido no areal desfeito pelas ondas, que sem saber porquê existe. Porque não me pões fora de ti? Porque é que te foste apaixonar? Porque é que não olhas para mim quando te digo que o teu Verão vai acabar e tu vais morrer no desgosto de um Outono tardio que te desfaz os sonhos? Acredita em mim. Quando o teu amor de um sentido apenas morrer afogado nas tuas lágrimas, quando tu perceberes que esse amor infinito vai ter fim porque só existiu dentro de ti, vais ser triste para sempre, novamente? Vais embalar-me, outra vez? É Inverno e está frio como nunca esteve. Dormes sozinha, e estou a ver-te. Será que me dizes que não se for para a tua cama enquanto dormes? Porquê? Porquê, se tudo acabou e é Inverno? É triste ser triste sem conforto. Quero ser tua companheira, ainda que à distância, num lugar escuro da memória. É tarde, é muito tarde, o céu ameaça cair. Tens um sorriso leve na cara que me magoa, dormes. Posso ir para aí? Posso amar-te? Deixas-me dormir contigo? Não acordas. Com que estarás a sonhar? Ponho um pé frio na cama. Desculpa não ter os pés quentes, como esse Verão teve. Desculpa não te aquecer. Mas como já te disse, só quero fazer-te companhia, mostrar-te que não tens frio sozinha. Abraço-te entre os lençóis. Durmo finalmente contigo. Não quero que acordes, não quero que acordemos. Que acontece se ficarmos assim para sempre? Porque tens medo do para sempre? Um beijo, quase um acidente. És bonita quando não tentas ser bonita. Uma mão na face, os pés entrelaçados na nossa tristeza calada.Porque é que te foste apaixonar?

A tua,
Beatriz.

3 comentários:

tatiana abreu disse...

Gosto tanto do que escreves.
Esta carta faz-me chorar, consegues transformar tão bem sentimentos em palavras.

Já leio o outro blog há bastante tempo, mas quando chegava a hora de comentar, nunca tinha coragem. É estranho nunca ter falado contigo (pelo menos mais do que um olá envergonhado da minha parte na rua) e ter a sensação de que te conheço minimamente, por ler muito do que escreves e identificar-me tanto com as tuas palavras.

Beijinho

Beatriz Cruz Soares disse...

Espero então pelo dia em que tenhamos coragem para mais do que um olá envergonhado. Sei que as pessoas que me sabem e me sentem melhor, são as que me leram. Obrigada por teres lido, e desculpa se choraste sem quereres.

Agora, vou eu ler-te.
Um beijinho, também.*

tatiana abreu disse...

Fico à espera desse dia, também.
Não tens que pedir desculpa nem agradecer por eu te ler, eu é que agradeço por haver alguém como tu, que escreves de forma tão tocante que, por momentos, se torna possível esquecer a minha dor de tão absorvida que estou na tua.

Outro beijinho :)